Cessar-fogo entre Israel e Hamas: esperança ou trégua frágil? Reflexões do Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova sobre o caminho para a paz

Cessar-fogo entre Israel e Hamas: esperança ou trégua frágil? Reflexões do Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova sobre o caminho para a paz
Foto: Comunicação ITESP

O cessar-fogo entre Israel e Hamas entrou em vigor marcando um momento de trégua após 15 meses de violência intensa. Como parte do acordo, o Hamas libertou três reféns israelenses: Doron Steinbrecher, Emily Damari e Romi Gonen, em troca da liberação de 90 prisioneiros palestinos. O pacto foi intermediado pelos Estados Unidos e pelo Catar.

A entrega das reféns ocorreu em uma rua movimentada de Gaza, sob forte escolta de homens armados encapuzados, e foi acompanhada pela Cruz Vermelha. Após a liberação, as israelenses foram levadas para um hospital em Tel Aviv, onde receberam cuidados médicos. Por outro lado, os prisioneiros palestinos, entre eles mulheres e adolescentes, foram recebidos na Cisjordânia e em Jerusalém com manifestações de apoio de familiares e simpatizantes.

Apesar do avanço, a trégua já enfrenta desafios políticos internos. Em Israel, a coalizão de governo sofreu uma ruptura com a saída do partido de extrema-direita Poder Judeu, que considera o acordo uma concessão ao terrorismo. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu agora governa com uma maioria parlamentar mais frágil, o que pode impactar os desdobramentos do cessar-fogo.

O embate entre Israel e Hamas se insere em uma disputa histórica que remonta à criação do Estado de Israel em 1948 e ao deslocamento massivo de palestinos na chamada Nakba (“catástrofe”). Desde então, a região tem sido espaço de guerras e revoltas, com momentos de negociações e períodos de escalada da violência.

O Hamas, movimento islâmico que governa a Faixa de Gaza desde 2007, rejeita a existência de Israel e tem conduzido ataques contra o país, enquanto Israel mantém um bloqueio rígido sobre Gaza e responde com ofensivas militares periódicas. O ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, que deixou cerca de 1.200 mortos e levou à captura de 251 reféns, foi o estopim para a ofensiva israelense que devastou a Faixa de Gaza, resultando em quase 47 mil mortos, segundo fontes palestinas.

O acordo atual busca interromper temporariamente os confrontos e abrir caminho para um entendimento mais amplo, embora analistas alertem para a fragilidade da trégua. A paz duradoura, segundo especialistas, depende de soluções mais estruturais, incluindo o reconhecimento de um Estado palestino e um acordo de coexistência entre os dois povos.

Diante dessa complexidade, a academia e as comunidades religiosas podem desempenhar um papel fundamental na promoção do diálogo e da reconciliação. O Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova, especialista no tema, concedeu uma entrevista exclusiva à Comunicação do ITESP, analisando o contexto do cessar-fogo e as perspectivas para a paz. Ele destaca que, embora existam esforços inter-religiosos fora da região, dentro de Israel e Palestina prevalecem a desconfiança e o rancor. No entanto, as tradições judaica e cristã oferecem bases éticas para a dignidade humana e a mediação pacífica. Acompanhe a entrevista na íntegra:

ITESP: Prof. Pietro, diante do recente cessar-fogo entre Israel e Hamas, como o senhor avalia, sob uma perspectiva interreligiosa, o papel da reconciliação em cenários de conflito prolongado? Em que medida as tradições judaica e cristã podem contribuir para processos de paz baseados na dignidade humana e no diálogo?

Prof. Pietro: No campo inter-religioso, há movimentos em prol da reconciliação; contudo, todos eles ocorrem fora de Israel e da Palestina. No local, prevalecem a desconfiança e o rancor. Especificamente nas tradições judaica e cristã, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundamental. Penso que os grupos humanistas judaicos e cristãos já atuam nesse sentido. O Papa Francisco é um importante agente nesse processo. No entanto, a dificuldade não é religiosa, pois há radicais em ambos os lados: de um lado, os messiânicos; do outro, a interferência iraniana. O caminho para a reconciliação e a paz ainda é longo.

ITESP: Considerando a complexidade desse conflito, que envolve não apenas questões políticas e territoriais, mas também dimensões culturais e religiosas, como a academia, especialmente as instituições de ensino teológico, pode promover pesquisas e debates que ajudem a propor soluções fundamentadas na ética e na justiça?

Prof. Pietro: Penso que o tema Israel e Palestina deve ser debatido tanto do ponto de vista político quanto do territorial. Do ponto de vista religioso, os cursos superiores devem promover encontros para a compreensão do fenômeno religioso, especialmente o islâmico. Outro tema a ser discutido é o antissemitismo, presente desde os primórdios da Igreja. A própria Igreja já realiza movimentos nesse sentido. Se não houvesse antissemitismo e a morte de seis milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial, penso que o conflito no Oriente Médio hoje não existiria. De qualquer modo, os temas Israel, Judaísmo, Antissemitismo etc. devem compor os currículos e os eventos acadêmicos.

ITESP: O senhor acredita que o cessar-fogo e as trocas de reféns e prisioneiros entre Israel e Hamas podem ser interpretados como um primeiro passo em direção a uma paz mais duradoura? Qual seria o papel das comunidades religiosas, tanto judaicas quanto cristãs, para apoiar e sustentar esses processos no longo prazo?

Prof. Pietro: Infelizmente, o cessar-fogo ocorreu devido à pressão política dos Estados Unidos (Trump). É verdade que ele (cessar-fogo) está permitindo o retorno dos sequestrados a Israel e de muitas famílias palestinas ao norte de Gaza, mas trata-se de um acordo frágil. A paz duradoura só será alcançada com a criação de um Estado Palestino ao lado do Estado de Israel, pois o povo palestino necessita de um Estado próprio. Do ponto de vista religioso, os grupos cristãos e judaicos devem se unir para promover o diálogo com israelenses e palestinos. Todo esforço nessa direção contribui para a construção de um ambiente de pacificação.

ITESP: Como o senhor enxerga o envolvimento de docentes e discentes de teologia e ciências da religião em discussões sobre conflitos como este? Que tipo de iniciativas acadêmicas, como congressos, pesquisas interdisciplinares ou ações interreligiosas, poderiam ser desenvolvidas para gerar impactos significativos na construção de uma cultura de paz e solidariedade?

Prof. Pietro: Os docentes e discentes podem e devem propor o diálogo, a realização de congressos, seminários, palestras, encontros etc. Ademais, os estudantes precisam ter acesso a perspectivas de pacificação. Por exemplo, além da participação em congressos, é fundamental estimular os alunos a escreverem TCCs, dissertações, teses etc., com essa temática. Outra iniciativa relevante seria estabelecer convênios com universidades de Israel, como a Universidade Hebraica de Jerusalém. Há professores tanto de Israel quanto do Brasil que poderiam dialogar, o que já representaria um grande avanço.

O recente cessar-fogo entre Israel e Hamas representa um momento crucial em um conflito de longa data, trazendo esperança, mas também desafios para a construção da paz. A troca de reféns e prisioneiros pode ser um primeiro passo, mas especialistas alertam para a fragilidade do acordo e a necessidade de um esforço contínuo para uma solução duradoura. Como destacou o Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova, a pacificação exige diálogo inter-religioso, inclusão acadêmica e ações concretas que promovam a dignidade humana. Nesse cenário, a academia e as comunidades religiosas desempenham um papel fundamental, fomentando debates e iniciativas que possam transformar a realidade. A busca pela paz no Oriente Médio continua, e cada passo na direção do entendimento mútuo pode fazer a diferença no futuro da região.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

Imagem: Comunicação ITESP.

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