“Dilexit nos”: O amor como prática transformadora na formação teológica e pastoral

Imagem: Reprodução Google

A recente encíclica Dilexit nos (“Amou-nos”), do Papa Francisco, convida a Igreja e toda a humanidade a redescobrir o significado profundo do amor cristão como força transformadora da sociedade. Centrando-se no Sagrado Coração de Jesus, a carta papal oferece uma reflexão sobre a compaixão, a proximidade e o cuidado, não como conceitos abstratos, mas como práticas concretas que tocam a vida das pessoas, especialmente as mais vulneráveis.

Para a Prof.a Dra. Alzirinha de Souza, do ITESP, essa mensagem é mais do que uma inspiração teológica; é um chamado à ação que encontra eco no trabalho acadêmico e pastoral da instituição. “O título da encíclica já nos provoca: se fomos amados de forma tão profunda por Deus, como estamos respondendo a esse amor? Ele deve se manifestar na prática, na proximidade, na transformação e no cuidado com o próximo”, reflete a professora. Acompanhe a entrevista na íntegra:

ITESP: Prof.a Alzirinha, como a senhora enxerga que os princípios de amor e compaixão pelo próximo, destacados em Dilexit nos, podem influenciar a atuação pastoral dos nossos alunos nas comunidades? Em que sentido essa encíclica pode ajudar religiosos e religiosas a aprofundarem uma prática mais sensível e acolhedora diante das necessidades espirituais e materiais das pessoas?

Alzirinha: O título da encíclica, por si só, é afirmativo e espera uma resposta: Dilexit nos (“Amou-nos”) nos convida a refletir sobre como esse amor maior, dispensado a cada um de nós, nos toca e, ao mesmo tempo, nos provoca a amar. 

É essencial pensar nas formas de expressar o amor no cotidiano e nos desafios da contemporaneidade. Em meio ao esvaziamento do significado da palavra “amor” em nossa sociedade atual, o Papa Francisco nos recorda o verdadeiro sentido do amor de Deus, notadamente expresso por Jesus: proximidade, transformação, cuidado e prática amorosa. 

É imprescindível compreender que o amor só se torna real quando praticado. É por meio da práxis cristã que aprendemos, de maneira profunda, a viver e exercitar o amor em sua plenitude.

ITESP: A encíclica coloca o amor como uma força central de transformação social e espiritual. De que forma o ITESP pode integrar esse ensinamento no conteúdo programático, a fim de formar líderes religiosos mais engajados com a construção de comunidades baseadas na justiça e na dignidade humana?

Alzirinha: A transformação social pode ocorrer de diversas maneiras. Contudo, a transformação social cristã tem uma raiz clara: ela se fundamenta na práxis de Jesus. É ao olhar para Jesus, seus ensinamentos e atualizá-los diante dos desafios do tempo presente que os cristãos e cristãs estabelecem sua práxis pessoal. 

A ação cristã, portanto, não deve ser realizada de forma descuidada. Pelo contrário, ela deve ser vivida como um testemunho – uma ação impulsionada pelo Espírito Santo e iluminada pelos ensinamentos de Jesus –, refletindo assim a presença de Deus no mundo. Como nos lembra Santo Irineu de Lyon, por meio das “duas mãos de Deus na história”, é na prática amorosa que essa presença divina se torna concreta. 

Agir de forma amorosa é, portanto, manifestar a ação de Deus no mundo por meio das ações humanas. Tais ações sempre serão voltadas para a transformação, a humanização e o cuidado com o outro.

ITESP: Dilexit nos retoma a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, que celebra o amor fiel e compassivo de Deus. Como essa mensagem pode ser adaptada para a realidade atual, especialmente para jovens e comunidades que estão em busca de espiritualidade em um mundo repleto de distrações e desafios? Qual seria o papel do ITESP em tornar essa devoção relevante e significativa para os fiéis de hoje?

Alzirinha: É importante lembrar que ser compassivo significa agir “com paixão” e não de forma passiva ou acomodada. A compaixão nos convida a nos colocar no lugar do outro, a sentir com o coração as situações e desafios enfrentados por ele. A primeira exigência é ter disponibilidade e conversão pessoal para ir ao encontro das pessoas e dos desafios atuais, contribuindo de forma concreta à luz de uma práxis fundamentada na pessoa de Jesus. 

O grande desafio é evitar a “desencarnação” da devoção ao Coração de Jesus. Pelo contrário, é necessário encarná-la cada vez mais, por meio de práticas que transformem realidades e ajudem a construir um “coração amoroso”, alinhado aos ensinamentos e exemplo de Cristo.

ITESP: O Papa Francisco enfatiza que o amor cristão deve se estender aos marginalizados e vulneráveis, ecoando temas de fraternidade e cuidado com a criação. Como a senhora acredita que o ensino de teologia pode preparar melhor nossos alunos para atender a esses chamados sociais e ecológicos, promovendo uma pastoral que concilie fé e compromisso com a justiça social?

Alzirinha: A teologia, em sua essência, não se limita a ser uma teoria sobre Deus. Ela busca realizar a convergência entre o desejo divino e o humano, sendo, portanto, profundamente concreta. A maior expressão dessa concretude divina é a presença de Deus na história. Não há espaço para uma teologia abstrata, reduzida a conceitos desconectados do tempo e da realidade. 

Diferentemente de outras tradições religiosas, nosso Deus é aquele que “se fez carne”, assumiu a condição humana e expressou seu desejo em categorias acessíveis à nossa compreensão. Por isso, não é possível seguir a Jesus sem estar atentos aos Sinais dos Tempos (como ressaltado pelo Concílio Vaticano II), que se manifestam na história de cada época. 

O grande desafio da teologia é contribuir para a convergência entre os valores de fé e a busca por justiça social. Esse caminho exige não apenas um aprofundamento contínuo na compreensão das Escrituras, dos ensinamentos e da pessoa de Jesus, mas também uma atualização constante diante do tempo presente. 

A missão cristã, nesse contexto, deve ser entendida como um espaço privilegiado para a prática profética: um lugar de denúncia das injustiças e anúncio transformador de esperança e reconciliação. É por meio dessa prática que a teologia se torna verdadeiramente relevante e transformadora nos contextos históricos em que vivemos.

No ITESP, Dilexit nos não é apenas um documento a ser estudado, mas um norte para a formação teológica e pastoral. A instituição busca capacitar seus alunos a responderem ao chamado do Papa Francisco, promovendo uma pastoral sensível às necessidades espirituais e materiais das comunidades.

Com o amor como força central, a encíclica inspira uma prática cristã que transforma realidades, constrói comunidades mais justas e reforça o compromisso com a dignidade humana. A partir dessa mensagem, o ITESP reafirma seu papel como formador de líderes que, com coragem e sensibilidade, encarnam o amor de Deus no mundo.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

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