A espiritualidade na cultura pop: um novo campo de missão para a Teologia

Na era digital, a busca por sentido, pertença e espiritualidade está cada vez mais presente nos espaços menos esperados: fandoms de cultura pop, jogos eletrônicos, redes sociais e comunidades virtuais. Neste contexto, o Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP) conversou com o padre Edson Ribeiro, pós-graduado em Comunicação, Teologia e Cultura pelo próprio instituto, em parceria com o SEPAC. Sacerdote e evangelizador ativo no ambiente digital, Pe. Edson utiliza referências do universo geek, games e cultura pop para falar de fé e provocar reflexões teológicas profundas com linguagem acessível.
A entrevista abordou uma pauta que desafia a Igreja contemporânea: como a Teologia pode dialogar com o mundo digital sem perder sua identidade, mas também sem deixar de escutar e acolher? Acompanhe:
ITESP: Pe. Edson, diante da crescente presença de influenciadores e artistas como referências existenciais e até “espirituais” para muitos jovens nas redes sociais, como a teologia pode ajudar a discernir entre uma legítima busca por sentido e uma possível idolatria moderna, sem cair em julgamentos morais ou rupturas com a cultura jovem?
Pe. Edson: O primeiro passo para isso é lembrar sempre o que São João Batista dizia a respeito do seu ministério: “Importa que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30). O ambiente digital é extremamente fecundo no que diz respeito ao anúncio do Reino; afinal, todos ali têm voz e podem se manifestar. Contudo, é preciso questionar: o que se anuncia? Apresenta-se a pessoa (influencer) ou o Cristo (e seu Evangelho)? Nesse campo, a Teologia é fundamental para ajudar a discernir o que está sendo, de fato, anunciado.
ITESP: Vivemos em uma sociedade onde a liberdade de expressão — inclusive sobre afetos, sexualidade, crenças e não-crenças — é cada vez mais valorizada. Como a teologia pode dialogar com essas manifestações sem abrir mão de seus fundamentos, mas também sem negar a escuta e a empatia pastoral com os jovens que vivem essas experiências em sua plenitude?
Pe. Edson: A Teologia, como todo saber acadêmico e científico, precisa estar sempre aberta ao diálogo com as diversas realidades, buscando, assim, responder aos questionamentos atuais. A liberdade de expressão é fundamental em uma sociedade, pois permite que todos manifestem suas crenças e opiniões. Cabe à Teologia saber ouvir essa diversidade de vozes e criar pontes, para que possa, então, apresentar caminhos pastorais possíveis. Trata-se de uma via de mão dupla, em que se escutam e acolhem as necessidades do público-alvo — no caso, os jovens no ambiente digital —, ao mesmo tempo que se oferecem reflexões profundas de fé e esperança.
ITESP: Muitos jovens relatam encontrar mais acolhida e reconhecimento em comunidades digitais e fandoms culturais do que em espaços eclesiais. Como as instituições de formação teológica, como o ITESP, podem formar futuros agentes pastorais capazes de compreender essas novas formas de pertencimento e atuar nelas com sensibilidade teológica e abertura humana?
Pe. Edson: As pessoas buscam identificação e pertencimento. Numa sociedade fragmentada por inúmeras questões, o ser humano, enquanto ser social, sente a necessidade de pertencer a algo. É a partir desse ponto que surgem diversos microgrupos, que se unem por denominadores comuns — fãs de algum conteúdo específico, linhas de pensamento, entre outros. A Igreja não está alheia a essa realidade, uma vez que o que nos une é a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Cremos, e isso nos faz comunidade. Contudo, quando ambientes eclesiais e acadêmicos (como é o caso do ITESP) se abrem para ouvir, de maneira desarmada, os anseios desses jovens, eles também se tornam espaços seguros, capazes de acolher e cuidar. Trata-se de um processo delicado, uma vez que muitas vezes estamos imbuídos de um sentimento quase imperativo, que dita o que deve ser feito sem escutar o outro lado. Mas é plenamente possível.
ITESP: Considerando que o discurso religioso pode tanto curar quanto ferir, especialmente em temas como sexualidade, identidade de gênero e liberdade individual, como os estudantes de teologia devem ser preparados para lidar com esses temas de forma que sua ação pastoral não reproduza exclusões, mas promova encontros?
Pe. Edson: O primeiro passo para isso é lembrar que o indivíduo é integral, e não a soma de partes separadas. Todo ser humano possui uma infinidade de questões em diversas áreas da vida. Compreendendo tais questões como parte de uma unidade que é a própria existência, aquele que busca o saber teológico deve voltar seu olhar para elas não como algo a ser “exterminado”, mas sim acolhido e compreendido. No ambiente digital, hoje, é nítido perceber que muitos carecem justamente dessa acolhida e escuta que a Teologia pode (e deve) proporcionar. É uma dinâmica possível: conhecer para orientar, aproximar para cuidar. Quando a Teologia se reveste apenas de normas e preceitos e se esquece de que, do outro lado, existe um indivíduo com suas dores e lutas cotidianas, ela se torna vazia e sem sentido. Por outro lado, quando promove escuta, acolhida e diálogo, transforma-se numa rica ferramenta capaz de mudar o mundo.
A espiritualidade da cultura pop não é um modismo, mas um novo campo pastoral. A Teologia, quando atenta aos sinais dos tempos, pode encontrar aí um caminho fecundo para tocar corações, promover encontros e anunciar o Evangelho no ritmo e na linguagem das novas gerações.
Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP. Imagem: Freepik