A importância da teologia na compreensão da Mobilidade Humana: Perspectivas Scalabrinianas na entrevista com o Pe. Alexandre Biolchi

A importância da teologia na compreensão da Mobilidade Humana: Perspectivas Scalabrinianas na entrevista com o Pe. Alexandre Biolchi
Imagem: Arquivo Comunicação Regional – Missionários Scalabrinianos.

São Paulo – O fenômeno da mobilidade humana é um dos maiores desafios sociais e pastorais da atualidade. Milhões de pessoas ao redor do mundo deixam suas casas em busca de segurança, melhores condições de vida ou simplesmente na esperança de um futuro mais promissor. No Brasil, o acolhimento de migrantes e refugiados é uma realidade complexa e desafiadora, que exige uma abordagem humanitária e integradora. Nesse contexto, a atuação dos Missionários Scalabrinianos, em particular, revela-se fundamental.

Segundo o Pe. Alexandre de Nardi Biolchi, Superior Regional dos Missionários Scalabrinianos e especialista em Teologia Moral, Meios de Comunicação e Cultura, e Administração e Gestão Eclesial, a teologia desempenha um papel crucial na compreensão e resposta aos desafios da mobilidade humana. “A teologia nos permite refletir sobre a experiência de Deus das pessoas em mobilidade e pensar em uma pastoral que acolha e integre essas pessoas em nossas comunidades, propondo um Deus próximo, peregrino e caminhante com seu povo“, afirma o Pe. Alexandre.

O Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP) tem se destacado nesse cenário ao oferecer um curso de pós-graduação focado em Mobilidade Humana e Teologia. Essa formação, segundo o Pe. Alexandre, é de “fundamental importância” para agentes pastorais e religiosos que atuam diretamente com migrantes e refugiados. A proposta é estudar a mobilidade humana desde uma perspectiva teológica, promovendo uma pastoral que acolha e integre pessoas de diferentes raças, culturas e tradições religiosas, sempre sob a ótica de que somos todos filhos de um único Deus. Acompanhe a entrevista completa:

ITESP: Pe. Alexandre, considerando a missão dos Missionários Scalabrinianos de apoiar e acompanhar os imigrantes e migrantes em sua jornada, como o senhor enxerga o papel da teologia na compreensão e resposta aos desafios da mobilidade humana no Brasil?

Pe. Alexandre: Considerando que a teologia é o estudo sobre Deus, a fé, as religiões e a relação destas com o ser humano não há dúvida que ela exerce um papel importante no processo de compreensão da experiencia de Deus das pessoas em mobilidade humana. E a partir daí se pode refletir e pensar a pastoral junto as pessoas que migram, propondo um Deus próximo, peregrino e caminhante com seu povo, acolhendo e integrando pastoralmente as pessoas que chegam a nossas comunidades e paroquias numa perspectiva de Igreja que é mãe acolhedora.

ITESP: O ITESP oferece um curso de pós-graduação focado em Mobilidade Humana e Teologia. Como o senhor avalia a importância dessa formação acadêmica para os agentes pastorais e religiosos que atuam diretamente com imigrantes e migrantes?

Pe. Alexandre: O fenômeno da mobilidade humana é um acontecimento que se faz necessário observar e estudar desde várias perspectivas e ciências, para que se possa oferecer abordagens e respostas assertivas a essa realidade. Portanto, essa pós-graduação que o ITESP oferece é de fundamental importância porque permite estudar a mobilidade humana desde a teologia, encontrando respostas pastorais para um melhor acompanhamento e acolhimento das pessoas que são migrantes e para as comunidades que recebem, promovendo assim a integração de raças, povos e culturas diferentes, em torno daquilo que nos une, isto é, da realidade que somos todos filhos e filhas do mesmo Deus.

ITESP: A experiência dos Missionários Scalabrinianos no acolhimento de migrantes é ampla e diversa. Quais são as principais lições aprendidas ao longo dos anos que poderiam ser integradas nos currículos teológicos para preparar futuros religiosos e agentes pastorais?

Pe. Alexandre: Penso que os currículos teológicos estão com uma lacuna muito grande no que diz respeito a administração e gestão eclesial. Falo isso sem referir-me especificamente a ação pastoral junto aos migrantes. Mas em relação a toda ação evangelizadora da Igreja. Infelizmente, essa é uma constatação, na formação dos religiosos e sacerdotes há um vazio de competências administrativas e de gestão. Nós somos formados para administrar os sacramentos e guiar espiritualmente os fiéis, mas não para administrar paróquias e obras eclesiais, gerir pessoas e projetos.

Em segundo lugar, a partir da ação pastoral Scalabriniana, considero que aspectos como interculturalidade, diálogo ecumênico e inter-religioso, práticas pastorais com pessoas em mobilidade humana, valorização das devoções que os migrantes carregam consigo, particularmente a devoção Mariana, entre outros elementos, são temáticas que certamente ajudariam os religiosos e agentes pastorais para uma ação evangelizadora mais eficaz e integral. Considerar as diferentes realidades, socio-cultural-eclesial, das proveniências dos migrantes, sabendo respeitar e integrar na Igreja de acolhida é de fundamental importância.

A leitura bíblica do fenômeno migratório, assim como o pensamento social da Igreja e o magistério sobre as migrações, também são contributos essenciais para uma boa pratica pastoral junto as pessoas em mobilidade humana.

ITESP: Em sua visão, quais são os maiores desafios e oportunidades que a mobilidade humana traz para a Igreja Católica no Brasil, e como os Missionários Scalabrinianos podem contribuir para uma resposta mais eficaz e humanitária?

Pe. Alexandre: O outro, o diferente, sempre carrega e traz consigo uma riqueza. Neste sentido a presença dos migrantes em nossas comunidades, igrejas e paróquias é, por si só, um tesouro que enriquece quem acolhe e integra. Por outro lado, a migração nos recorda que estamos todos de passagem nesta terra, como dizia São João Batista Scalabrini, “somos peregrinos em busca de uma pátria que não é terrena”. A presença de migrantes também nos deveria levar a construir pontes, a trabalhar pela fraternidade universal e é uma ocasião privilegiada para exercer a caridade junto àqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social.

As vezes nossas comunidades eclesiais são fechadas, a Igreja não pode ser um “clube de amigos”. Aí reside uma oportunidade e, ao mesmo tempo um desafio, pois a chegada de outras pessoas pode nos desinstalar deste comodismo ou “clubismo”. Há também normas e diretrizes que precisam ser flexibilizadas no atendimento pastoral dos migrantes e isso é um grande desafio.

Nós, Missionários Scalabrinianos, desde os quatro âmbitos pastorais que temos definido estrategicamente como Congregação, a saber, as Realidades Paroquiais, o Stella Maris (Apostolado do Mar), a assessoria nos Organismos Eclesiais, as Casas do Migrante e Centros de Atenção aos Migrantes, procuramos realizar um trabalho especifico, significativo e exemplar, como resposta às demandas nas comunidades onde estamos inseridos e como referência para que outras Congregações e a Igreja Local assuma a missão junto aos migrantes, afinal um Carisma de uma Congregação Religiosa é sempre uma  recordação do Espirito Santo em relação a uma realidade humana que necessita de evangelização e que a Igreja Universal deve interessar-se.

Os Scalabrinianos, através de suas diversas frentes de trabalho, como as Realidades Paroquiais, o Apostolado do Mar, as Casas do Migrante e Centros de Atenção aos Migrantes, têm se dedicado a uma pastoral significativa que serve de exemplo para outras congregações e para a Igreja local. A missão scalabriniana é uma recordação contínua do Espírito Santo sobre a necessidade de evangelizar e acolher aqueles que estão em movimento, muitas vezes em busca de uma vida melhor.

Dados recentes apontam que o número de migrantes internacionais atingiu 281 milhões em 2020, representando 3,6% da população mundial, segundo o relatório da ONU sobre migração. No Brasil, o fenômeno tem se intensificado com a chegada de venezuelanos, haitianos e outros grupos que buscam refúgio e melhores condições de vida. A Igreja, através dos Scalabrinianos, tem a oportunidade de ser uma luz no caminho desses peregrinos, oferecendo não apenas assistência material, mas também espiritual.

Assim, a mobilidade humana não é apenas um desafio a ser enfrentado, mas uma oportunidade de vivenciar a fraternidade universal e a compaixão cristã, valores que estão no coração da missão dos Scalabrinianos e da Igreja Católica no Brasil.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

Imagem: Arquivo Comunicação Regional – Missionários Scalabrinianos.

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