Abraçar a realidade com esperança, eis um itinerário formativo

Abraçar a realidade com esperança, eis um itinerário formativo
Hope - George Frederic Watts

Entre os desafios colocados à Vida Consagrada, a formação não só das novas gerações, mas, também daqueles que já se encontram a caminho, apresenta-se como uma realidade urgente e necessária, dimensão prioritária para a continuidade de uma Igreja profética, sempre fiel ao seguimento de Jesus de Nazaré. O contexto plural e diverso dos nossos tempos, fruto da mudança de época que enquanto sociedade atravessamos, reclama de nós encorajamento para repensarmos as estruturas formativas caducas que ainda persistem em prosseguir. “Re-pensar” o método formativo, incluindo neste processo pedagógico um caminho que seja integral e integrador, assumindo uma “consciência de viver num mundo no qual os religiosos e religiosas se sintam chamados/ as a anunciar e a testemunhar o Evangelho do Reino, de modo místico, profético e solidário para continuar a missão de Cristo”.

Vivendo o período litúrgico da Quaresma, somos provocados há um processo de Metanoia, ou seja, mudança das estruturas e hábitos que nos impedem de vivermos transfigurados, segundo o projeto de Deus para a humanidade, assumindo, portanto, um novo estilo de vida (LS 16). A formação é o espaço por excelência e primordial da mudança. Sem uma sincera conversão ao chamado de Jesus, que se concretiza na realidade visível e concreta da noite escura dos mais empobrecidos, corre-se o risco de viver à margem da centralidade do Evangelho, sendo indiferentes e insensíveis ao Espírito que clama em toda forma de manifestação da vida. A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata, nos ensina que “a formação é um processo vital, através do qual a pessoa se converte ao Verbo de Deus até as profundezas do seu ser e, ao mesmo tempo, aprende a arte de procurar os sinais de Deus nas realidades do mundo.”

Vivemos em tempos de uma profunda crise socioambiental. Converter o olhar para esta realidade, é um pressuposto urgente para se promover um humanismo integral, mediante as exigências de nosso tempo. Segundo o Papa Francisco, em sua carta Encíclica Laudado Si “Todas as comunidades cristãs têm um papel importante a desempenhar nesta educação. Espero também que, nos nossos Seminários e Casas Religiosas de Formação, se eduque para uma austeridade responsável, a grata contemplação do mundo, o cuidado da fragilidade dos pobres e do meio ambiente”. (LS 214).  A Igreja, interpelada por Francisco, é chamada a integrar nas etapas formativas uma visão corresponsável mediante a assimilação e cultivo de uma espiritualidade integral, que assuma todo o ser criado como parte integrante do amadurecimento da fé.

A cultura do descarte denunciada por Francisco (LS 43), faz parte de um mundo consumista e predatório. Também o processo formativo deve buscar romper com esta lógica. A fraternidade e o cultivo de relações saudáveis e humanizadas, nos ajudam a superar a visão individualista que se contrapõe à proposta de Jesus: todos irmãos e irmãs, inclusive do nosso maltratado planeta, nossa Casa Comum. 

Tendo por principio e normativa o cuidado integral da dignidade de todo ser criado, o processo formativo à luz do Evangelho, nos ajuda a reconhecer que “o nosso cuidado pelo outro e o nosso cuidado com a Terra estão intimamente ligados” (LD 3).  Portanto, é pedido de cada um de nós, que nos comprometamos com a mensagem de Jesus, abraçando o seu seguimento, tornando-nos assim, responsáveis pela herança que deixaremos atrás de nós, depois da nossa passagem por este mundo. 

O desafio está em promover um processo formativo que assuma a realidade, não se ausentando do seu compromisso profético. Pequenas mudanças podem provocar alterações importantes, recorda-nos Francisco.  Assumir um estilo de vida simples, sustentável e mais fraternal, dentro de uma sociedade em ruinas pela ganância, torna-se sinal de vida e ressurreição mediante aos contrastes de uma história que dá sinais de regressão.

Formar será sempre desafiante e provocador. Se o fizermos a partir dá pedagogia de Jesus, potencializando a vida e defendendo-a em sua dignidade, estando nas periferias geográficas e existências, e consequentemente denunciando todo pecado estrutural que danifica a beleza da criação de Deus, é certo que os desafios se descortinarão para nós. Eis o caminho para uma Vida Consagrada e para uma formação religiosa, que sempre esteve como perita nas questões mais dramáticas da vida. Que a formação em nossas comunidades religiosas, não hesite em contemplar a realidade, buscando caminhos à luz da fé, para uma ação que resplandeça no mundo, como memória e continuação de Jesus.

Por: Jefferson Lucas, cssr (ex-aluno do ITESP)

Imagem: Hope – George Frederic Watts