Abuso Espiritual: Prof. Gabriel Perissé lança obra pioneira sobre Manipulação Invisível nas Instituições Religiosas

Imagem: Arquivo pessoal Prof. Gabriel Perissé

São Paulo – O lançamento do livro “Abuso Espiritual: A Manipulação Invisível”, do Prof. Gabriel Perissé, marca um momento significativo para a comunidade cristã e para a formação teológica. Publicado pela Editora Paulus, a obra, que já está disponível nas livrarias e no site da editora, explora um tema delicado, porém urgente: o abuso espiritual dentro das instituições religiosas. O autor, que possui um extenso currículo acadêmico em Letras, Filosofia e Teologia, aprofunda-se na análise de como o abuso espiritual afeta profundamente a vida dos fiéis, muitas vezes de maneira invisível e devastadora.

Perissé, com sua formação interdisciplinar, alerta para o fato de que o abuso espiritual não é um fenômeno isolado. A manipulação religiosa, que pode ocorrer em diversas formas, desde o uso distorcido de passagens bíblicas até a negligência de aspectos essenciais como medicina e psicologia, atinge tanto a liberdade espiritual quanto a saúde psíquica dos fiéis. O livro aborda essa questão com profundidade, destacando a importância de proteger o relacionamento pessoal com Deus e de criar um ambiente saudável nas comunidades de fé.

Em entrevista, o Prof. Gabriel Perissé trouxe luz aos desafios e complexidades deste tema, ressaltando que o abuso espiritual é uma realidade preocupante, mas muitas vezes invisível. Segundo ele, o abuso dentro das instituições religiosas não só manipula, mas também prejudica a visão de Deus e o relacionamento com Ele. A obra se destaca como uma das primeiras em português a tratar desse tema de forma mais aprofundada, servindo como um alerta e um guia para todos os que buscam um entendimento mais claro sobre esse tipo de abuso.

Perissé argumenta que o abuso espiritual serve como uma “plataforma” para outros abusos, como o financeiro, sexual e psicológico. A falta de conscientização sobre o tema é um grande desafio, mas ele ressalta a necessidade de apurar a capacidade interpretativa dos fiéis e não absolutizar as palavras de nenhum pregador ou religioso. Ele alerta que a manipulação religiosa infantiliza os fiéis e os adoece, enquanto o abusador, muitas vezes, é também vítima de sua própria distorção de poder.

Acompanhe a entrevista na íntegra:

ITESP: Prof. Gabriel, seja bem-vindo ao ITESP! Na leitura da introdução ao seu livro “Abuso Espiritual: A manipulação Invisível” percebemos que esse assunto já foi abordado em diversas línguas, nesse sentido podemos afirmar que sua obra é pioneira na língua portuguesa? O que motivou a escrever sobre abuso espiritual, um tema ainda pouco discutido?

Perissé: De fato, no Brasil, o tema do “abuso espiritual” é muito pouco abordado atualmente, mas podemos dizer que é uma realidade implícita em outros tipos de abuso, como o abuso de consciência, o abuso de poder, ou mesmo o abuso sexual, quando se dão em contexto religioso. Nos ambientes religiosos, o abuso espiritual serve como um “guarda-chuva” sob o qual é possível cometer diversos outros tipos de abuso. O abuso financeiro cometido por lideranças religiosas pressupõe um abuso mais profundo, que atinge a alma dos fiéis. O abuso psicológico cometido por um pastor ou um padre é mais grave, digamos assim, na medida em que fere, não somente a saúde mental, mas também a saúde espiritual da vítima. O que me motivou a escrever foi justamente essa constatação de que o abuso espiritual propicia outros muitos abusos. Percebi que era preciso ir um pouco mais fundo e observar a raiz espiritual dos abusos cometidos dentro de igrejas, ordens religiosas, movimentos e comunidades de fé, seitas etc.

ITESP: Pelo contexto da obra percebemos que o abuso espiritual é uma realidade preocupante, mas frequentemente invisível, nas comunidades de fé. O que levou a trazer esse assunto à tona e quais foram os desafios de abordar um tema tão sensível?

Perissé: Estamos perante uma manipulação invisível. É muito difícil, por isso, produzir provas materiais de um abuso espiritual. A vítima se sente prejudicada de um modo profundo, de um modo definitivo, mas não consegue expressar com clareza o sofrimento que experimenta. O abusador espiritual prejudica nossa visão de Deus, nosso relacionamento com Deus. É impressionante a quantidade de relatos de pessoas que viveram ou ainda vivem situações de grande dor dentro de instituições religiosas de todo tipo, e que, ao saírem, preferem nunca mais pensar em Deus ou na possibilidade de voltarem a ter experiências religiosas. Eu me solidarizo com todos aqueles que passaram ou ainda passam por esta dolorosa situação. Neste livro, procurei dar voz a essas pessoas.

ITESP: No livro, você menciona que a manipulação religiosa pode ocorrer em diversas formas, desde o uso distorcido de passagens bíblicas até a negligência de aspectos essenciais como a medicina e a psicologia. Quais são os sinais mais sutis que os fiéis devem observar para protegerem sua liberdade espiritual?

Perissé: A manipulação religiosa tem inúmeras facetas. O abuso escriturístico é bastante empregado. Trata-se de usar uma passagem do Antigo ou do Novo Testamento, sem a menor contextualização. Por exemplo, eu posso usar a frase de Cristo, “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” de modo descontextualizado, querendo provar que, tendo eu dito algumas supostas verdades, meus ouvintes devem aderir a mim e seguir-me, pois sou também o seu libertador. Isto é usurpar a frase evangélica para finalidades de poder pessoal. Se vamos ao Evangelho, lá está: “Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 31). A verdade não é qualquer verdade. O abusador quer colocar-se no lugar de Deus. Um primeiro cuidado, portanto, consiste em não se deixar fascinar por citações bíblicas isoladas, em discursos/homilias/palestras. É preciso apurar nossa capacidade interpretativa. Não devemos absolutizar as palavras de nenhum pregador ou religioso. Sobretudo quando pretendem tirar o valor das reais conquistas da ciência. A ciência também não tem a última palavra e deve submeter-se à ética. Mas é muito perigoso negar a ciência em nome de uma fé que, segundo certos abusadores espirituais, resolverá todos os problemas de saúde física ou mental.

ITESP: Em sua opinião, por que o abuso espiritual é tão difícil de ser reconhecido e enfrentado dentro das próprias instituições religiosas?

Perissé: No livro, há um capítulo dedicado à descrição da “vítima perfeita”. Toda pessoa que deseja viver religiosamente corre o risco de cair nas mãos de abusadores espirituais. Os abusadores têm a capacidade de identificar as fragilidades de suas vítimas. A vítima perfeita é aquela que, mesmo sendo vítima, não raramente demora a reconhecer-se como tal. Precisamos ter a coragem de admitir que há lideranças tóxicas dentro das instituições religiosas. Diria mais: precisamos reconhecer que tanto podemos nos tornar vítimas como também abusadores, em alguma medida.

ITESP: Muitos fiéis confiam plenamente em seus líderes espirituais, o que pode tornar a identificação e denúncia do abuso espiritual um desafio. Como você vê essa dinâmica e o que poderia ser feito para aumentar a conscientização e proteção dentro das comunidades de fé?

Perissé: É fundamental não deixar que o poder se concentre nas mãos de uns poucos, mas, ainda assim, não basta “diluir” ou alternar o poder, porque os abusadores são capazes de burlar os mecanismos de defesa de uma instituição. Vemos como o Papa Francisco, incansavelmente, denuncia esta sede de poder dentro das estruturas da própria Igreja. Além da denúncia, precisamos cuidar da formação humana e espiritual de todos, dos leigos e dos ministros sagrados. Trata-se de pensar numa formação genuinamente cristã. Este desafio, aliás, é o desafio de todos os tempos. O cristão não nasce cristão, diziam os antigos pensadores da Igreja: o cristão tem que se tornar cristão, aprender a ser cristão.

ITESP: O livro propõe um olhar interdisciplinar sobre o abuso espiritual, incorporando perspectivas da filosofia, teologia, sociologia e psicologia. Como essas diferentes disciplinas contribuem para uma compreensão mais completa do fenômeno da manipulação religiosa, e por que é importante essa abordagem multidisciplinar na luta contra o abuso espiritual?

Perissé: Por ser um problema complexo, o abuso espiritual requer uma abordagem condizente com essa complexidade. Não basta uma análise sociológica, embora ela seja muito útil para captar aspectos relacionados ao modo como os grupos fanáticos se organizam. Não basta uma análise filosófica, embora a filosofia nos ajude a aprofundar o conceito de “poder”, por exemplo. Não basta a análise psicológica, embora esta análise nos aponte para a complexidade de santidade que é uma deturpação do desejo de ser melhor. Não basta a própria análise teológica, embora a teologia nos explique a diferença entre a lógica kenótica de Jesus Cristo e a lógica demoníaca dos abusadores. Enfim, uma abordagem multidisciplinar pode nos ajudar a articular vários insights em torno deste tema, e, por consequência, oferecer algumas linhas de ação prática para prevenir, identificar e combater tais abusos.

ITESP: Você aborda no livro a questão da manipulação espiritual como uma ameaça à liberdade dos filhos de Deus. Quais são as implicações de ignorarmos esse tipo de abuso para a saúde psíquica dos fiéis e para o próprio desenvolvimento da fé? E como podemos, enquanto membros de comunidades religiosas, criar ambientes mais seguros e saudáveis espiritualmente?

Perissé: Jesus alertou seus discípulos a respeito do “fermento dos fariseus”, isto é, a respeito dessa atitude de superioridade e soberba que faz lideranças religiosas se sentirem autorizadas a controlar outras pessoas. A manipulação espiritual infantiliza os fiéis e não lhes dá espaço para descobrirem o dom da liberdade que Deus Pai nos oferece. Ambientes religiosos tóxicos nos diminuem e nos adoecem. O abusador agride suas vítimas, de modo sutil ou de modo grosseiro, mas ele próprio é a maior vítima do seu veneno. Para criarmos ambientes espiritualmente melhores, precisamos, cada um de nós, ir ao encontro de Jesus e aprender com ele a sermos líderes amorosos e servidores

Com essa obra, o autor convida as comunidades religiosas e teológicas a refletirem sobre como prevenir e combater o abuso espiritual, utilizando uma abordagem interdisciplinar que incorpora perspectivas da filosofia, teologia, sociologia e psicologia. A proposta de Perissé é clara: uma fé saudável e autêntica deve promover a liberdade dos filhos de Deus e criar ambientes espiritualmente seguros para todos.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

Imagem: Arquivo pessoal Prof. Gabriel Perissé.

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