Da indiferença odiosa à empatia: o desafio ético da fé cristã

Da indiferença odiosa à empatia: o desafio ético da fé cristã
O Anjo Caído - Alexandre Cabanel

Ao longo da história civilizacional, é recorrente encontrar figuras que despontam em momentos de grande pavor e medo como mensageiros e/ou representantes divinos para libertar e salvar a humanidade de toda destruição. A cena apocalíptica é constantemente instrumentalizada a favor de discursos que nada mais pretendem do que disseminar o dito “pânico moral” na sociedade.

 Assombra-nos o crescimento expressivo de grupos, por sinal bem articulados, que veiculam repetidas mentiras imbuídas de ódio e violência com o intuito de atacar, dividir e destruir aqueles que são tidos como “inimigos”. Este fenômeno não é exclusividade de uma nação, mas tomou proporções globais, fazendo-se presente, inclusive, no Brasil, por meio de grupos institucionais ou sem filiação que se congregam a partir de uma ideia: destruir o outro, o inimigo, o diferente. Em outras palavras, referimo-nos à violência ao pobre, ao negro, ao imigrante, à população LGBTQIA+ que, segundo tais grupos, integram o rol dos “impuros e indignos”.

Para além do assombro, inquieta-nos o fato, ao passo que questiona os nossos fundamentos éticos, de que tais movimentos encontrem ressonância cada vez maior em diferentes setores da sociedade. Essas pautas têm mobilizado uma soma de pessoas que extrapolam quaisquer recortes sociais colocados em questão. Se num período recente o racismo, a homofobia, a xenofobia e a misoginia eram práticas “politicamente incorretas”, atualmente, mais do que “aceitáveis”, tornam-se política de governo. Para tanto, arroga-se o princípio da liberdade de expressão (conceito que muito se diz, e pouco se entende).

No entanto, é importante ressaltar que esse comportamento está além do campo político, uma vez que se estende da economia à religião. A questão que se coloca, portanto, não está na discussão acerca dos diferentes espaços ocupados, mas sim no sentido último que fundamenta esta ordem social. Recentemente, em uma entrevista, o bilionário e atual secretário do governo de Donald Trump, Elon Musk, afirmou que: “A fraqueza fundamental da civilização ocidental é a empatia”. Não é possível, neste momento, discutir a entrevista na íntegra e seus desdobramentos, mas interessa-nos o fato apontado por Musk – a empatia é tida como fraqueza fundamental. Se a empatia é entendida enquanto a capacidade de ver as coisas sob a perspectiva do outro, o que se pretende é uma postura de indiferença e insensibilidade diante da dor e do sofrimento do próximo. Logo, o fortalecimento da civilização ocidental deve necessariamente significar a anulação do outro por meio da indiferença odiosa diante de tudo e todos.

E a religião? A ética cristã está na contramão da proposta moral apresentada por Musk. Se para o bilionário norte-americano, a empatia é tida como problema a ser enfrentado, para Jesus, o amor ao próximo é condição para o discipulado: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). Uma religião que justifica os vencedores, ao invés de estar ao lado dos marginalizados, abandonou a sua capacidade profética, e rendeu-se à adoração dos mais diversos bezerros de ouro.

Conforme afirma Jung Mo Sung, em recente artigo publicado no portal Instituto Humanitas Unisinos (IHU), “se o cristianismo (as igrejas, movimentos, grupos e pessoas cristãs) pretende ainda se aparecer na sociedade como uma religião original, isto é, diferente do espírito do ‘mundo’, o primeiro passo é recuperar o mandamento de Jesus: amar ao próximo e a Deus (e não o ídolo-dinheiro). Para isso, é preciso recuperar a noção original do amor (ágape) e mostrar à sociedade que a empatia é uma condição humana, mas o passar da empatia à ação de solidariedade (por meio de ações concretas e de políticas de bem-estar social mediadas pelo Estado democrático) é se tornar humano. Reinterpretando uma afirmação de Paulo, o apóstolo, podemos dizer: ‘quando sou fraco, então é que sou forte’ (2Cor 12,10)”.

É imperativo converter a própria religião, quando esta, esquecendo-se de suas fontes, está à serviço de políticas de morte. “Eu vim para que todos tenham vida em abundância” (Jo 10,10). O sofrimento do outro não pode se tornar objeto de discurso, mas deve ser o critério ético da práxis de fé.

Por: Prof. Me. Thales Martins

Imagem: Reprodução | Comunicação ITESP