Entrevista com Pe. Rafael Nolli, ex-aluno do ITESP: Reflexões sobre a Vocação e os Desafios do Sacerdócio

Entrevista com Pe. Rafael Nolli, ex-aluno do ITESP: Reflexões sobre a Vocação e os Desafios do Sacerdócio
Imagem: Arquivo pessoal Pe. Rafael Nolli

São Paulo – O mês de agosto é um período de reflexão e oração pelas vocações religiosas e sacerdotais, e é também uma oportunidade para relembrar e celebrar a trajetória daqueles que dedicaram suas vidas ao serviço da Igreja. Em uma entrevista recente, tivemos o privilégio de conversar com Pe. Rafael Nolli (Mestrando em Direito Canônico e especialista em Liturgia), ex-aluno do Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), sobre sua caminhada sacerdotal e as lições que compartilhou em seu livro “Relatos de um Jovem Padre – A Intimidade de uma Vocação”, lançado em 2021 pela editora Viseu.

Pe. Rafael Nolli, cujo livro foi um projeto gestado desde os primeiros meses de seu ministério, reflete sobre a recepção da obra entre os fiéis e, especialmente, entre os jovens que buscam inspiração na vida religiosa. Ele relembra as experiências que marcaram seus primeiros anos de sacerdócio, desde a emoção do primeiro casamento até a profundidade espiritual de sua primeira unção dos enfermos. Para ele, o livro não é apenas um relato pessoal, mas uma tentativa de mostrar a beleza do sacerdócio na pastoral, com simplicidade e sinceridade.

Agora, com oito anos de ministério completados, Pe. Rafael reflete sobre as mudanças mais significativas em sua caminhada. Ele destaca a maturidade que veio com o tempo e a experiência, tornando-o mais paciente e sereno. “Nossa vida é essa constante mudança, para a qual nós, padres e religiosos, devemos estar preparados para abarcar, perdoar e sentir junto,” afirma. Ele também ressalta a importância da vida de oração e da solitude, que considera essenciais para um ministério frutífero e espiritualmente saudável.

Veja a entrevista completa:

ITESP: Após três anos desde o lançamento de Relatos de um Jovem Padre, como o senhor avalia a recepção da obra entre os fiéis e jovens que buscam inspiração na vida religiosa? Os desafios e experiências relatados no livro ainda ressoam com os desafios que o senhor enfrenta atualmente como sacerdote?

Pe. Rafael: O livro “Relato de um Jovem Padre – A Intimidade de uma Vocação” surge a partir das experiências dos meus primeiros anos de ministério. Ele relata algumas experiências bonitas que me tocaram profundamente, como a primeira bênção numa casa de família, o primeiro casamento e a primeira unção dos enfermos. O objetivo é que ele possa tocar, de fato, os jovens e aqueles que buscam inspiração na vida religiosa. Com carinho e cuidado, quis mostrar a beleza do sacerdócio na pastoral; esse foi meu intuito ao escrever esses relatos, partindo de algo que me tocou profundamente.

Creio que o ministério sacerdotal nos toca pela vida íntima de oração pessoal, mas, de modo muito singular, pelo apostolado e pelas pessoas às quais chegamos. Como o livro fala da intimidade da vocação sacerdotal, lembro-me de que, quando o escrevi, muitas pessoas vieram me perguntar: “Quero saber que intimidade é essa”, como se fosse algo de outro mundo, como se o padre fosse um extraterrestre e houvesse no livro algo com outra vertente de intimidade. Mas, na verdade, não é isso. A intimidade de um padre é o seu dia a dia: a agenda paroquial, a pastoral, a sacristia, as missas, os sacramentos etc. Foi com essa leveza que quis mostrar ao público a singeleza de um sacerdócio que busca no serviço a beleza de ser padre. Acredito, sim, que o livro é uma inspiração e continua sendo bem recebido, especialmente pelos jovens que buscam a vida religiosa.

Algumas inquietudes são apresentadas no livro. Por exemplo, o dia em que não consegui rezar numa bênção de uma casa porque o ambiente estava muito pesado, com discussões e brigas. Aquilo me desafiou muito. Como ser um intermediador, alguém que deve rezar e conseguir fazê-lo como padre? São desafios que ainda ressoam em meu coração. Outro exemplo é quando perdi um amigo sacerdote que cuidava, um padre idoso. Encontrei-o no fundo de uma sala na enfermaria do hospital, agonizando e pensei: “Meu Deus, será que minha vida vai terminar assim, sozinho?”. Esses sentimentos ressoaram em mim quando escrevi o livro e, hoje, não me inquietam, mas me fazem refletir e rezar pela minha finitude como padre. Eu não sou padre para que, de fato, a minha agenda seja cheia, mas eu sou padre para encontrar com Cristo, então o meu fim, o nosso fim como sacerdote é o encontro com Cristo, então devo primar por minha vida espiritual e pela oração, que são grandes desafios no mundo atual. Sabemos que tudo tenta nos afastar do silêncio e da oração, colocando-nos sempre com a agenda cheia, compromissos e encontros. Tento preservar esses momentos e vejo como grandes desafios que ainda enfrento como sacerdote. Vejo como desafios grandes!

ITESP: Na obra o senhor compartilha as experiências dos primeiros meses de sacerdócio. Com oito anos de ministério agora completados, quais foram as mudanças mais significativas que o senhor observou em sua caminhada? Existem aspectos do sacerdócio que, com o tempo, tornaram-se mais desafiadores ou mais gratificantes do que o senhor inicialmente esperava?

Pe. Rafael: Bom, eu observo que houve mudanças muito significativas, principalmente em termos de maturação. Creio que, com o avanço do ministério e da idade, nos tornamos mais maduros. Eu me vejo mais paciente, mais sereno, e, diria, não necessariamente mais reflexivo, mas mais tranquilo na recepção das coisas que nos cercam. Essa natureza do sacerdócio, com as experiências pelas quais passamos com o ser humano, que é um labirinto, como diz o filósofo Nietzsche: “viver é bailar sobre o abismo”. Nossa vida é essa constante mudança, para a qual nós, padres e religiosos, devemos estar preparados para abarcar, perdoar e sentir junto.

Então, acredito que é isso: sentir com o humano, ser mais humano. Acho que quem abraça o sacerdócio verdadeiramente acaba, de certa forma, não duvidando mais de nada neste mundo, não é isso? Mas, ao contrário, acolhendo muitas coisas deste mundo. E eu acho isso muito bonito no sacerdócio, onde se aprende a ouvir, a esperar e a rezar.

O segundo aspecto é a vida de oração. Como mencionei na pergunta anterior, quando percebi que não caminho em direção à minha agenda, mas em direção às pessoas que me esperam, caminho para Deus. Comecei a entender que minha solitude, que é muito maior que a solidão, faz muito mais sentido. Assim, diria que essas são mudanças significativas no crescimento pessoal e espiritual.

Também há o entendimento das amizades, principalmente as amizades com outros padres. Isso é importante e bonito de se partilhar: a caminhada nos aspectos do sacerdócio, que com o tempo se tornam mais desafiadores ou mais gratificantes do que eu esperava. Algumas coisas realmente nos irritam mais, por exemplo, na hipermodernidade. Quando vamos celebrar um casamento, diria que em 80% dos casos é por status, por foto, por modismo, porque a mãe ou o pai quer. E como celebramos um casamento assim, assistindo ao matrimônio? Fica difícil para nós, padres, e às vezes já dizemos: “Olha, não sei se gosto tanto disso” — entre aspas, claro, e de forma bem grande. Isso se dá porque o mundo contemporâneo é muito midiático, de fotos e mídias sociais.

Por outro lado, vejo que isso é desafiador, mas ao mesmo tempo gratificante, pois percebo que a busca pelo matrimônio, esse exemplo dentro do sacerdócio, cresceu entre os jovens. Há um interesse pelo casamento em santidade, um noivado em santidade etc. Outros aspectos bonitos me fizeram amadurecer e que eu não esperava, mas são muito gratificantes: Dar valor às pessoas que, de fato, sustentam a vida da paróquia, por exemplo. Às vezes, nós, padres novos, queremos muito “show”, não é? Queremos multidões, queremos que um número maior de pessoas participe da paróquia, da comunidade de fé, quanto mais gente, melhor. Mas me dei conta, ao longo desses 8 anos de ministério, de que o menos é mais. Diria que é preciso valorizar aquelas senhoras que estão presentes todos os dias, aquelas que, de fato, fazem acontecer a vida paroquial e que às vezes não são lembradas. Digo “senhoras”, mas me refiro também aos senhores.

Essas pessoas que fazem a comunidade viver são, muitas vezes, as menos vistas — e não é que precisem ser vistas, mas precisam ser valorizadas. Hoje, prefiro estar com um grupo de três ou quatro pessoas que sempre estão na comunidade e fazem a comunidade acontecer, do que me preocupar em encher a igreja com pessoas vazias. Desculpe o termo, mas coloco isso como uma comparação, porque às vezes queremos quantidade e atropelamos as pessoas que de fato servem à comunidade. Acho que cresci nesse aspecto e cresci também em meu ministério.

ITESP: O livro é um testemunho pessoal sobre a intimidade de uma vocação. Considerando os desafios que o senhor relatou e os novos que podem ter surgido ao longo desses oito anos, quais são as principais lições que o senhor carrega para o futuro? Como essas experiências moldaram sua visão sobre a vida sacerdotal e sua missão dentro da Igreja?

Pe. Rafael: Vejo o futuro com muita esperança. Após a pandemia, por exemplo, o número de pessoas em busca de espiritualidade e fé, especialmente a fé católica, aumentou significativamente. É como se houvesse uma resposta à pergunta: “Qual o sentido da minha existência, quando tenho tudo e, ao mesmo tempo, não preciso de nada, mas ainda assim sinto a necessidade de buscar a Deus?” Esse entendimento chegou à nossa geração, inclusive entre os mais jovens. Para mim, isso é algo muito certo e sério, que carrego comigo para o futuro.

Uma outra inquietude que ouvi ontem, na homilia do cardeal Tolentino, na PUC, e que me fez rezar e refletir, é que precisamos parar de dar respostas a perguntas que não são mais feitas. Somos muito mecânicos, desde a formação, e temos respostas para tudo e para todos, mas muitas vezes, essas respostas são para perguntas que as pessoas já nem fazem mais. Então, realmente, diria que há uma preocupação em manter uma constante atualização do ministério, sem perder a essência: a essência da busca pelo Salvador, a essência da fé, a essência de ser uma comunidade que caminha e reza.

Essas experiências de mudança, neste tempo de transformação, me fazem refletir sobre o que tenho respondido. Será que essas respostas correspondem às perguntas realmente feitas pela minha comunidade de fé? Acredito que isso é algo importante na missão da Igreja: valorizar as perguntas, e não tanto as respostas.

ITESP: Um dos objetivos do livro é inspirar os jovens a considerar a vida religiosa. Como o senhor vê o impacto de sua obra nesse público? Quais são as mensagens ou conselhos que o senhor gostaria de reforçar para os jovens que estão refletindo sobre uma vocação religiosa, à luz de sua experiência acumulada desde a publicação do livro?

Pe. Rafael: O livro, desde já, deixo claro, não é um livro científico ou acadêmico. É um livro que, de forma simples e singela, relata meus primeiros anos de sacerdócio. Desde o primeiro casamento, que me deu um frio na barriga, até a comparação que faço quando digo que “o diabo mora na sacristia”. Uso essa expressão para ilustrar que nós, como portadores da graça, temos o poder de iluminar ou não o lugar onde estamos. A vivência do meu sacerdócio e vocação é um testemunho de fé. Se eu não exercer isso, ou seja, se não iluminar outros corações e não caminhar com Deus, mesmo diante das minhas fragilidades como jovem padre, não conseguirei inspirar outros a se encantarem pela vocação.

Diria que um dos desejos deste livro, e vejo que é o reflexo dos leitores que partilharam suas impressões comigo, é ser simples e tocante. Eles disseram: “Nossa, que linguagem simples, que livro que toca!” Isso porque o livro fala das experiências reais de um padre, daquilo que ele vive, sem ficar em utopias. Creio que a sinceridade é essencial, sabendo que todos somos frágeis, como vasos de barro, mas que carregamos um grande tesouro: a busca pela fé, a Palavra, a Eucaristia. Não devemos ter medo de ser padres, de abraçar nossa identidade.

Faço até uma brincadeira: se você for publicar, coloque com muito carinho, que eu tenho medo dessa nova identidade que estamos perdendo — o medo de dizer que somos padres. Na minha formação, ouvi muito: “Se reza muito, tem um problema psicológico”, não é? Se um jovem reza muito, é piedoso, gosta de liturgia, logo dizem: “Ah, ele é das rendas”, como se não pudesse gostar de liturgia ou de rezar muito. Hoje, o jovem padre tem medo de mostrar que é padre, preferindo mostrar o que? Que é um jovem da academia. Vejo muitos padres postando fotos na academia, mas isso reflete uma formação na qual foram moldados.

Li o livro “O Novo Rosto do Clero – Perfil dos Padres Novos no Brasil” e faço até uma observação: o novo rosto do clero é fruto do velho clero, ou seja, fomos formados por uma geração que hoje critica o que somos. Existe um pêndulo, uma balança, um contraponto de equilíbrio para que nós, jovens padres, possamos nos sentir de fato como padres, exercendo a pastoral, vivendo a alegria do ministério e buscando a fé, assim como os padres mais antigos nos mostraram. Portanto, não devemos ter medo de ser padres, certo?

Acredito que seja isso. Agradeço as perguntas, desculpe se não fui claro em algum ponto, mas estou à disposição. Grande abraço, fique com Deus.

O contato com ex-alunos como Pe. Rafael Nolli fortalece ainda mais os laços entre o ITESP e a comunidade religiosa, mostrando que as sementes plantadas na formação continuam a dar frutos ao longo dos anos. Seu livro, que está disponível para compra na Amazon.com, é um testemunho vivo de sua jornada e uma fonte de inspiração para aqueles que buscam seguir o caminho da vocação.

Neste mês de agosto, ao refletirmos sobre a vocação, somos convidados a valorizar os testemunhos como o de Pe. Rafael, que, com dedicação e fé, continua a iluminar os corações daqueles que cruzam seu caminho.

Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.

Imagem: Arquivo pessoal Pe. Rafael Nolli.

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