O ex-aluno do ITESP Lucas Duarte, ganhador do prêmio Papa Francisco pela sua defesa no trabalho de pesquisa junto à comunidade carcerária, acaba de lançar um livro sobre a mesma temática. Fruto da sua dissertação de mestrado pela PUC/PR o livro “É melhor tirar a cadeia”, publicado pela Editora Recriar, está à venda pelo site da mesma editora e se prepara para um lançamento em e-book.
Em entrevista para o ITESP o egresso relata como foi o seu processo de amadurecimento sobre o tema, orientado desde a graduação pelo Prof. Edevilson Godoy, e como a formação em teologia impactou significativamente no trabalho junto aos encarcerados. Abaixo seguem as questões levantadas pela equipe de comunicação do Instituto ao ex-aluno de teologia e suas respostas.
ITESP: Essa publicação é fruto de um trabalho de pesquisa para o mestrado na PUC, certo? Eu queria saber quais foram os desafios que percebeu nessa construção e como motivaria futuros pesquisadores a continuarem com seus trabalhos.
Lucas Duarte: Eu defendi a dissertação em fevereiro de 2021 na PUC/PR, mas a pesquisa começou já na minha graduação no ITESP, no meu TCC sobre Pastoral Carcerária. O grande desafio foi me aventurar em um tema – teologia e encarceramento – que não tinha muitas referências no campo da Teologia e Ciências da Religião. Esse é o desafio, mas também foi minha motivação, a carência de trabalhos numa perspectiva crítica. Eram apenas dois. O de Maria Emília da PUCSP, o qual o Prof Ênio me apresentou, e de Maria Camargo, que conheci com a Pastoral Carcerária.
I: A formação em teologia aqui no ITESP contribuiu de alguma forma para a sua narrativa?
L.D.: Acredito que a formação do ITESP, sobretudo por sua abordagem da Teologia como um saber histórico e crítico, me ajudou a compreender os imperativos do Evangelho e a dimensão diaconal dos estudos, e também que não se faz teologia sozinho, é sempre em comunidade, por isso o engajamento na Pastoral Carcerária e entre os pobres atingidos pelo cárcere foram determinantes para essa produção.
I: Como o meio religioso impacta nos ambientes carcerários no Brasil?
L.D.: A religião tem seu papel no ambiente carcerário. Um papel que eu avalio como muito precário por diversos motivos. Como todo o sistema tudo é precário e insuficiente. Mas no específico da chamada assistência religiosa se quisermos levar isso a sério, sempre enfrentamos perseguições e dificuldade, por isso é mais cômodo abençoar e silenciar sobre opressão e abusos que vemos e ouvimos. Como agente de pastoral e estudante do ITESP, há dez anos, a minha primeira impressão foi que tudo aquilo que vi e ouvi entre uma massa de jovens negros e pobres não tinha nada a ver com o Deus de Jesus de Nazaré. Na cadeia, os discursos religiosos rolam solto. Então é comum ouvir a justificação religiosa de todo o sistema e essa não era a teologia que eu conheci, nem a fé que eu professava. Por isso entrei nessa: A teologia e as igreja não podem justificar a opressão e a tortura.
I: Há um trabalho ou exercício que a academia poderia impactar nesse cenário?
L.D.: Essa é a tarefa da academia e da Teologia: estar entre os pobres, estar na fronteira, estar entre os vulneráveis, entre os preferidos de Deus e a partir dali oferecer elementos e colaborar para a transformação do mundo. Digo no texto: o lugar do teólogo e da teologia é lado a lado com as vítimas.
I: Como a teologia pode ser uma agente transformadora num cenário de justiça retributiva, onde acredita-se ser “justo” esse castigo pela transgressão?
L.D.: A teologia fez a virada hermenêutica no século XX, porém no campo penal estamos bem distantes, quase na escolástica ainda, basta ver como anda nossa teologia moral, se nas faculdades se tem boas elaborações teóricas, na ação pastoral há uma porção de lideranças com essa teologia que coloca mais fardo sobre as costas do povo. A teologia precisa oferecer conceito que contribua com a emancipação e libertação do povo, e só se faz estando com o povo.
“O presente livro aborda, com propriedade e de forma bem documentada, a história das prisões e seu impacto no contexto brasileiro, bem como suas conotações religiosas e teológicas. O Brasil tem a terceira maior população carcerária no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Estão nas prisões principalmente homens jovens, negros e pobres, refletindo uma situação de ampla marginalização e criminalização destas populações. Na população em geral é difundido uma noção de justiça retributiva: o “justo” castigo para uma transgressão. Já o argumento aqui desenvolvido a partir da teologia cristã promove, de forma pertinente e convincente, uma justiça transformadora e restauradora.” Escreve Rudolf von Sinner, Professor de Teologia Sistemática na PUCPR, em sinopse para o livro. (fonte: editorarecriar.com/e-melhor-tirar-a-cadeia-lucas-h-p-duarte)
Texto: Arison Lopes, Comunicação Institucional ITESP
Imagem: Arquivo pessoal Lucas Duarte (@lucasdu_arteiro)