O Instituto São Paulo de Estudos Superiores promove diálogo entre a teologia e psicologia para emergir a temática do suicídio dos sacerdotes e religiosos da Igreja Católica
Numa manhã do mês de março os alunos passavam pelo corredor absortos na tela do celular que emitia uma luz direta no rosto, os olhos fixos e atentos ao conteúdo que acabara de receber havia sido compartilhado num grupo do aplicativo de WhatsApp. Uma mensagem em particular mudava a atmosfera daquele espaço e os grupos começavam a articular uns com os outros tentando entender qual a motivação que levara um neossacerdote, com apenas 35 anos, a cometer suicídio. P. Douglas Ferreira Leite (conhecido por alguns alunos), que atuava na Paróquia de Santa Bárbara, no município de Fervedouro – MG, havia desaparecido na última segunda-feira (7) quando saiu da sua residência rumo à São Francisco da Glória, rumo a um mutirão de confissões, mas não chegou ao seu destino. Após uma investigação da Polícia Civil concluiu que o jovem padre havia cometido suicídio.
Esse é um dos casos que a comunidade acadêmica do Instituto São Paulo de Estudos Superiores – ITESP – tem acompanhado nos últimos anos. Só entre 2021 e 2022 cerca de 10 padres cometeram suicídio no Brasil, segundo levantamento apontado pelo site aleteia.com em 21 de fevereiro de 2022.Essa e as demais manchetes tocam um sinal de alerta no corpo diretivo do Instituto que há mais de 50 anos formam sacerdotes e religiosos para a Igreja Católica. Em recentes publicações o site do Vaticano (vaticannews.va) também sinaliza uma preocupação sobre o tema e divulga um texto escrito pelo Pe. José Rafael Solano Durán revelando possíveis motivações que levam sacerdotes, de diferentes etárias, a interromperem a vida. “Uma das situações que me levam a pensar na triste realidade que vivemos é que muitos de nós perdemos o encanto e alegria e ofuscamos a beleza do nosso ministério“. Afirma Pe. José Rafael Solano Durán ao site do Vaticano. Há algum tempo, bispos têm questionado o equilíbrio e a saúde de seus sacerdotes e religiosos no ministério: 2% expostos ao burnout, o consumo significativo de álcool, os estados depressivos e denúncias relativas aos abusos, como revela Lorenzo Prezzi para artigo publicado no Settimana News.
A realidade assustadora emerge uma discussão no meio acadêmico, principalmente em Institutos Teológicos, sobre a valorização da vida e a autodestruição. Pois, detrás de atos trágicos como esses há um grito que precisa ser interpretado por professores, agentes de saúde e formadores em geral. Essa temática foi adotada pelo ITESP para promover uma discussão junto aos alunos, professores e demais interessados numa palestra online e gratuita que aconteceu no dia 19 de abril, quarta-feira, no período noturno. A psicóloga Eliana Missih, professora de Psicologia da Religião no ITESP, recebeu o Prof. Me. Wellington Heleno da Silva – Psicólogo no Instituto Acolher – para mediar esse tema relevante e importante.
Cerca de 400 inscritos acompanharam pelas redes sociais do ITESP (Youtube, Facebook e Instagram: @itespteologia) o diálogo proposto entre os dois profissionais da saúde. Prof. Wellington iniciou sua análise a partir de uma leitura freudiana narcísica e partiu para assuntos contemporâneos como a relação pessoal dos sacerdotes e religiosos com as redes sociais: “Vivemos numa época de transição, de tecnologias, de excessos (redes que prometem e projetam felicidade a todo tempo), de sucessos. Isso joga no individuo toda a responsabilidade sobre a felicidade. Gera-se um indivíduo que se pensa todo-poderoso. Em dado momento, diante de uma crise, o indivíduo narcisista percebe que não é tão onipotente.”
Ainda sobre o narcisismo ele afirma: “O padre se vê como uma pessoa perfeita (narcisismo). A formação reforça que a pessoa é especial (o Eleito). Essa idealização grande se confronta em algum momento com quem ele é de verdade: seus desejos sexuais, fantasias, inveja, maldades… disso pode surgir uma frustração tão severa, onde ele pode se sentir tão pequeno (dor emocional e psíquica) resultando numa perda total do sentido do seu ministério. Nos tornamos sepulcros caiados (negamos o que somos e não vemos dentro de nós o que há de coisas que precisam ser superadas).”
No contexto do clero, as relações humanas no presbitério são destrutivas (competição, inveja, ciúmes). Além disso, os leigos podem gerar uma neurose nos padres produzindo nele a ideia de viver em função do trabalho (burnout). Dar sentido para vida é algo a ser feito todo dia. Quem se alimenta apenas do sucesso e do trabalho para a sua realização é um forte candidato ao esgotamento. O suicídio é o ponto final de uma história de dor de uma pessoa. Estamos desenvolvendo mecanismos que sejam capazes de ouvir e acolher essa história de dor sem julgamento? Somos capazes de ouvir o outro com empatia? Além do suicídio há outros comportamentos autodestrutivos: alcoolismo, sexualidade desenfreada, exposição a riscos etc.
Entre as diversas questões levantadas pelos participantes durante a palestra surge uma que toca à formação desses sacerdotes e religiosos: – Que ambiente estamos preparando dentro das congregações onde essa dor emocional pode ser falada, expressada, vivida? Em resposta o Prof. Wellington comenta: – É necessária uma educação emocional: única forma de alguém pensar que existe uma rede de apoio, um lugar onde possa ser ouvido. Isso é o contrário de viver num ambiente onde só há cobranças. Às vezes não se pergunta se o padre está bem, mas todos os meses são cobradas as devidas taxas. O que é sucesso numa cúria ou paróquia? A igreja cheia, a conta bancária recheada. É preciso resgatar o espiritual, o humano, o afeto, a esperança, a misericórdia.
Todo o conteúdo da palestra está disponível, na íntegra, pelo canal do Youtube, Facebook e Instagram do Instituto São Paulo de Estudos Superiores – ITESP (@itespteologia).
Link para assistir no YouTube: https://youtube.com/live/6DWkbCwa52I
Escrito por: Árison Lopes – Comunicação Institucional do ITESP e Lucas Raul – Aluno do 4º ano de Teologia.