Prof.a Dra. Maria Cristina aborda impacto histórico da decisão do Vaticano sobre bênção a casais do mesmo sexo e em “situação irregular”. Veja entrevista na íntegra:


São Paulo – A recente decisão histórica do Vaticano autorizando a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e àqueles em “situação irregular” tem gerado intensos debates e reflexões em todo o mundo. A Prof.a Dra. Maria Cristina, teóloga moral e docente do curso de extensão em Pastoral às pessoas LGBTQIAPN+ do Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), compartilhou suas perspectivas exclusivas sobre o impacto teológico, moral e pastoral dessa decisão. Abaixo, estão suas respostas às perguntas-chave:
ITESP: Como você avalia o impacto da decisão histórica do Vaticano, que autoriza a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e àqueles em “situação irregular”, do ponto de vista teológico e moral? Como isso se alinha ou desafia as doutrinas tradicionais da Igreja Católica?
Prof.a Dra. Maria Cristina: Essa decisão é histórica e muito importante, como evidenciado pela sua repercussão mundial. Embora não tenha ocorrido uma mudança na doutrina, a resposta da Doutrina da Fé, valorizando a questão pastoral conforme o Papa Francisco propõe, é excelente. Não vejo isso como um desafio à tradição, mas sim como uma mudança na valorização das normas para um olhar mais voltado para o ser humano, por meio do amor incondicional de Deus.
ITESP: Considerando a concessão de bênçãos a casais “em situação irregular”, como essa decisão pode influenciar a formação dos alunos em teologia moral nas instituições católicas? Há desafios específicos ou oportunidades para uma abordagem mais inclusiva nos currículos acadêmicos?
Prof.a Dra. Maria Cristina: Faço parte da Sociedade Brasileira de Teologia Moral, e ela soltou uma nota em concordância com o Papa Francisco, e as respostas do Dicastério sobre o batismo de transexuais, dos filhos de pessoas LGBT, e a possibilidade de serem testemunhas de casamento etc., incluindo a importância da benção a casais em situação irregular, onde especifica os casais homoafetivos.
A nota também pontua a necessidade de se rever a linguagem para que seja mais inclusiva, e o conceito de sexualidade humana, “superando uma visão centrada ainda na ideia de lei natural (biologia) para uma perspectiva mais personalista do comportamento” (IHU, 21 dez.2023). Estes são desafios importantes, que indicam a necessidade de se unir teologia à ciência trazendo os conhecimentos sobre sexualidade para o estudo da teologia. Os currículos precisam ampliar e trazer este tema para estudo.
ITESP: Dentro do contexto da “cidadania religiosa” dos LGBTQIA+, como a sociedade, incluindo a comunidade católica, pode enfrentar os desafios e avançar em direção à aceitação plena? Quais são os próximos passos cruciais para promover uma compreensão mais inclusiva e diversificada dentro da fé católica?
Prof.a Dra. Maria Cristina: O não conhecimento leva à preconceitos, e à conservação de conceitos já superados pelas novas pesquisas e descobertas. Isso precisa mudar. É muito importante estudar esta temática, incluindo a sexualidade, como temos feito nos cursos de extensão que tenho dado no ITESP: “Igreja e LGBTQIAN+: Atendimento pastoral”, e temos tido, nos cursos muitos agentes pastorais, professores, coordenadores de escolas católicas, alguns padres e seminaristas. No último curso tive até um grupo considerável de agentes pastorais carcerários, o que achei excelente. O interesse entre os agentes pastorais está aumentando, e isto é necessário.
Para haver uma aceitação plena será preciso o conhecimento do tema, e a convivência com as pessoas LGBTQIA+. Como diz o filósofo Emanuel Lévinas, preciso estar diante do que percebo como diferente, para ter um olhar a partir dele. Isso só acontecerá com a inclusão, integração e atendimento pastoral a este grupo.
Precisamos começar a ter esta temática na formação dos teólogos, do clero, e dos seminaristas, e existirem mais cursos, como o que estamos fazendo aqui, no ITESP. Quanto mais estudarmos e conhecermos o tema, ligando teologia e ciências, melhor será para a existência de uma compreensão mais inclusiva e diversificada em relação ao atendimento pastoral.
Eu publiquei um livro voltado, principalmente, para teólogos, pessoas do clero e seminaristas, fruto da minha tese de doutorado em teologia. Chama-se “A inclusão de todas/os/es. Uma leitura teológica da violência de Gênero: mulheres e LGBTQIA+” (Ed. Recriar, 2022). Nele, eu abordo, detalhadamente, este tema. Em 2024, publicarei outro livro voltado, principalmente, para os agntes pastorais. “A Igreja e as pessoas LGBTQIAPN+”: Atendimento pastoral com base no Amor incondicional de Deus. O livro foi inspirado nas aulas que tenho dado. Desejo que livro e curso posam aumentar o conhecimento de todos os interessados.
ITESP: Considerando a resistência de parte da ala conservadora da Igreja Católica, especialmente nos Estados Unidos, como você acredita que a Igreja pode manejar as divergências internas resultantes dessa decisão? Como o diálogo interno pode ser facilitado para promover uma abordagem mais unificada e amorosa diante dessas mudanças?
Prof.a Dra. Maria Cristina: O Papa Francisco tem feito de tudo para realizar as mudanças necessárias a fim de termos uma Igreja em saída, atendendo a todos, como ele deseja, sem que haja sérios atritos. Porém, após as críticas que recebeu sobre a permissão de ser dada a benção aos casais do mesmo sexo, disse: “Permaneçamos vigilantes contra as posições ideológicas rígidas que, muitas vezes, sob o pretexto de boas intenções, nos separam da realidade e nos impedem de seguir em frente”.
A meu ver, dialogar é muito importante. Para ele acontecer, é preciso conhecer o tema, refletir, então dialogar, e ter boa vontade, para ouvir, e permitir haver mudança.
ITESP: Diante da concessão de bênçãos a casais do mesmo sexo, o que essa decisão representa em termos de evolução na abordagem pastoral da Igreja Católica? Como isso pode influenciar a relação da instituição com as comunidades LGBTQIA+ e, mais amplamente, com aqueles que historicamente se sentiram marginalizados ou excluídos?
Prof.a Dra. Maria Cristina: É um passo muito importante. São inúmeras pessoas que se sentem desprezadas, e excluídas que desejam estar na Igreja Católica Romana, e serem reconhecidas como filhas amadas de Deus. Desejam poder participar da Igreja em que foram batizadas, e escolheram viver, com suas famílias, apesar de terem se descoberto pertencentes ao grupo LGBTQIAPN+. Receber uma benção para elas, para seus companheiros ou companheiras, e seus familiares, é um ato do amor incondicional de Deus.
ITESP: Considerando a ênfase na “cidadania religiosa” dos LGBTQIA+, de que maneira a formação teológica dos futuros líderes religiosos pode ser adaptada para promover uma compreensão mais abrangente da diversidade humana? Que desafios e oportunidades essa mudança traz para as instituições de ensino teológico e para a prática pastoral cotidiana?
Prof.a Dra. Maria Cristina: Uma formação teológica que traga os novos desafios da contemporaneidade, entre eles, conhecer as pessoas LGBTQIAPN+. Estudar o tema, pesquisar, conhecer, dialogar, e deixar-se guiar pela luz do Espírito Santo, que é o amor. É importante que os futuros líderes religiosos não esqueçam que o ser humano deve prevalecer às normas, porque Deus é amor, amor incondicional, e ama-nos como Pai! Como diz o Papa Francisco: A Igreja precisa estar aberta para acolher a todos que desejam dela participar.
O Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP) reconhece a grande importância de abordar temas contemporâneos e desafiadores na formação teológica de seus alunos. A recente decisão histórica do Vaticano, permitindo a bênção a casais do mesmo sexo, ressalta a necessidade de uma abordagem inclusiva e diversificada na educação teológica. O ITESP reafirma seu compromisso em promover diálogos construtivos e oferecer espaços de reflexão sobre a diversidade humana e os desafios pastorais emergentes. A instituição acredita que o estudo dessas questões é fundamental para preparar seus alunos para enfrentar os desafios contemporâneos e contribuir positivamente para a prática pastoral, promovendo uma compreensão mais ampla e inclusiva dentro da fé católica.
Por: Arison Lopes, Comunicação Institucional ITESP.
Imagem: Instagram/Reprodução
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