Desafios e oportunidades da IA na educação: reflexões da Prof.a Ana Valéria para o Ensino Superior

Desafios e oportunidades da IA na educação: reflexões da Prof.a Ana Valéria para o Ensino Superior
Imagem: Reprodução Freepik

São Paulo – A adoção da Inteligência Artificial (IA) na educação, especialmente em instituições de ensino superior, tem gerado debates intensos entre acadêmicos e gestores. Em entrevista ao Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), a Prof.a Ana Valéria Sampaio de Almeida Reis, especialista em inovação educacional e doutoranda em Estudos Contemporâneos pela Universidade de Coimbra, ofereceu uma análise detalhada sobre as implicações dessa tecnologia emergente, destacando tanto os desafios quanto as oportunidades que a IA traz para o ambiente acadêmico.

Ana Valéria acredita que os gestores das IES estão em uma posição única para liderar discussões sobre o impacto da IA, tanto no ensino básico quanto no superior. “É essencial que se realizem avaliações de impacto detalhadas para entender como a IA pode atender às necessidades específicas dos alunos e professores“, diz. Ela sublinha a importância de investir em infraestrutura tecnológica, programas de capacitação para educadores e políticas institucionais que garantam um uso ético e responsável da tecnologia. “Os gestores devem ser proativos em ajustar as estratégias de integração da IA, assegurando que a tecnologia contribua efetivamente para os objetivos educacionais.” Confira a entrevista completa abaixo:

ITESP: Prof.a Ana Valéria, seja bem-vinda ao ITESP! No contexto do Ensino Superior, como a recente decisão do governo de São Paulo de adotar Inteligência Artificial (AI), como o ChatGPT, para atualizar o material didático na educação básica é percebida pelos acadêmicos e gestores das Instituições de Ensino Superior (IES)? Quais são as principais discussões e reflexões sobre essa integração da IA na educação?

Ana Valéria: A decisão do governo gerou um amplo debate entre diferentes setores da sociedade sobre esse tema, e nas IES não foi diferente. Quando se trata da integração entre IA e educação, vê-se uma mistura entre entusiasmo e cautela. Há preocupações legítimas sobre a confiabilidade das informações vindas das IAS generativas e a necessidade de supervisão humana para garantir a qualidade dessas informações. No entanto, é preciso diferenciar os resultados que provêm de plataformas que estão se multiplicando a cada dia e muito semelhantes entre si daqueles provenientes de anos de estudo e uso planejado para a personalização do aprendizado e atualização de conteúdos. O avanço dessas plataformas mobilizou professores do ensino superior que veem a importância de incluir IA no currículo de formação em geral, do repensar das práticas pedagógicas e de uma discussão sobre como as IES podem preparar os estudantes não apenas para utilizar tecnologias emergentes, mas também para entender e moldar o futuro da tecnologia na sociedade.

ITESP: Como os gestores das IES podem encarar e responder a essa iniciativa do governo, considerando o impacto potencial que a adoção de IA pode ter tanto no ensino básico quanto no superior? Quais são os aspectos a serem considerados na formulação de políticas e estratégias institucionais relacionadas ao uso de tecnologias emergentes na educação?

Ana Valéria: Acredito que os gestores estão posicionados de forma única para não apenas responder a essa iniciativa do governo, mas também para liderar a reflexão sobre o impacto potencial e as oportunidades que o uso da tecnologia IA pode trazer tanto para o ensino básico quanto para o ensino superior. Segundo a Secretaria de Educação de São Paulo, trata-se de um “projeto-piloto” que não vai elaborar o conteúdo “do zero”: partirá do que já foi escrito por professores curriculistas (especialistas na formulação de materiais) para “inserir novas atividades, exemplos de aplicação prática do conhecimento e informações adicionais que enriqueçam as explicações de conceitos-chave de cada aula”.

É crucial que se conduzam avaliações de impacto detalhadas para entender como a IA identifica as necessidades específicas dos alunos e professores e avaliar o nível da infraestrutura tecnológica existente, garantindo que ela seja eficiente e de qualidade. Isso envolve coletar feedback regular de estudantes e professores e ajustar as estratégias de integração da IA, conforme necessário. Essa abordagem ajuda a garantir que a tecnologia esteja servindo efetivamente aos objetivos educacionais e adaptando-se às mudanças nas demandas do ambiente educacional e do mercado de trabalho.

Quanto à política e estratégias institucionais relacionadas ao uso de tecnologias emergentes na educação, dentre as que destaco citar, acredito que é preciso que haja uma definição clara de objetivos para identificar as metas pedagógicas e institucionais que se pretende alcançar com a integração dessas tecnologias; planejar investimentos para garantir acesso equitativo a dispositivos, softwares e conectividade; oferecer programas de desenvolvimento profissional para educadores, capacitando-os para utilizar as tecnologias de forma eficaz; planejar a manutenção e a atualização contínua da infraestrutura e dos recursos tecnológicos; desenvolver estratégias para integrar as tecnologias ao currículo de forma significativa e alinhada com as práticas pedagógicas; implementar medidas rigorosas para proteger os dados dos alunos e garantir a privacidade de cada um; estabelecer diretrizes éticas para o uso da tecnologia, combatendo vieses e promovendo a inclusão; definir políticas claras sobre o uso de materiais protegidos por direitos autorais e a criação de conteúdo original; garantir a viabilidade financeira das iniciativas tecnológicas a longo prazo e implementar mecanismos de avaliação para medir o impacto das tecnologias no aprendizado e no ensino.

ITESP: Diante da crescente presença da IA na educação, como é possível preparar e instruir os novos profissionais formados pelas IES para lidar com essas tecnologias de forma eficaz e ética? Quais são as competências e habilidades que os futuros educadores e profissionais da área de educação devem desenvolver para integrar de forma consciente e responsável a IA em suas práticas pedagógicas?

Ana Valéria: A crescente presença da inteligência artificial (IA) na educação coloca uma responsabilidade importante sobre as Instituições de Ensino Superior (IES) para preparar os futuros educadores e outros profissionais da área de maneira eficaz e ética. Para integrar a IA de maneira responsável e eficaz, os futuros educadores e profissionais da educação devem ser adeptos da tecnologia, eticamente conscientes, colaborativos, criativos e comprometidos com a aprendizagem ao longo da vida. Vejamos:

Em primeiro lugar, creio que é essencial que os futuros educadores sejam fluentes em tecnologia. Isso não significa apenas saber usar ferramentas específicas, mas também compreender os fundamentos da tecnologia de IA e como ela pode ser aplicada para melhorar o ensino e a aprendizagem. A capacidade de avaliar criticamente as tecnologias, discernir suas limitações e potenciais, e adaptá-las de acordo com as necessidades pedagógicas é fundamental.

Além da fluência tecnológica, a capacidade de pensar criticamente sobre as implicações éticas da IA é vital. Os educadores devem ser treinados para considerar questões como privacidade de dados, viés algorítmico e equidade no acesso às tecnologias. Instituições de ensino devem incorporar princípios de ética em tecnologia em seus currículos, garantindo que os futuros profissionais estejam equipados para tomar decisões informadas e justas.

Outra competência importante é a de trabalhar colaborativamente em ambientes multidisciplinares. A IA em educação muitas vezes requer a colaboração entre educadores, técnicos, designers de políticas e outros profissionais. Promover habilidades de colaboração e comunicação eficaz ajudará os futuros educadores a integrar eficientemente a IA em suas práticas pedagógicas.

A criatividade e a inovação também são essenciais, uma vez que a tecnologia de IA abre novas possibilidades para métodos pedagógicos. Os educadores devem ser incentivados a explorar como a IA pode ser utilizada para criar experiências de aprendizagem mais envolventes e personalizadas.

Finalmente, a capacidade de aprendizagem contínua. A tecnologia está evoluindo rapidamente, e os profissionais da educação precisam estar em constante atualização sobre novas ferramentas, técnicas e teorias. As IES podem apoiar isso, oferecendo recursos contínuos, formação profissional e oportunidades para desenvolvimento profissional.

ITESP: Considerando que muitos alunos que ingressam no Ensino Superior após passar pela educação básica já estão familiarizados com o uso de tecnologias como IA e o ChatGPT, qual é o desafio em relação ao perfil desses estudantes? Como as IES podem abordar essa questão e garantir que esses alunos desenvolvam habilidades críticas e reflexivas além do uso das tecnologias, para uma formação mais completa e abrangente?

Ana Valéria: A chegada de estudantes que já têm familiaridade com tecnologias como IA e o ChatGPT ao Ensino Superior apresenta um desafio interessante e complexo para as Instituições de Ensino Superior (IES). Esses alunos trazem consigo expectativas e habilidades tecnológicas que exigem uma resposta educacional adaptada e inovadora.

O principal desafio relacionado a esse perfil de estudantes é garantir que, além de serem usuários proficientes de tecnologia, eles também se tornem pensadores críticos e reflexivos. Isso é crucial para uma formação acadêmica completa que prepare os alunos não apenas para usar a tecnologia, mas para entender suas implicações sociais, éticas e culturais.

As IES podem abordar essa questão de várias maneiras. Por isso, é essencial integrar desde já, para não dizer desde sempre, no currículo componentes que fomentem o pensamento crítico e a reflexão.

Além disso, as IES devem promover metodologias de ensino que incentivem a análise crítica e o questionamento. Métodos pedagógicos que requerem que os alunos avaliem criticamente os materiais, que resolvam problemas complexos e participem de debates são algumas das muitas estratégias que podem cultivar habilidades de pensamento crítico.

Outro aspecto importante é o desenvolvimento de habilidades de comunicação e colaboração. Trabalhar em projetos de grupo e participar de discussões em sala de aula podem ajudar os alunos a ouvirem diferentes perspectivas e a formularem e expressarem seus próprios argumentos de maneira coerente e considerada.

As IES também podem utilizar a própria tecnologia como uma ferramenta para ensinar essas habilidades. Por exemplo, projetos que utilizem IA para resolver problemas sociais ou que explorem o uso de algoritmos para abordar questões éticas podem proporcionar experiências de aprendizagem ricas que promovem tanto a competência tecnológica quanto o pensamento crítico.

E é fundamental que as instituições forneçam espaços e oportunidades para os alunos refletirem sobre seu próprio aprendizado e sobre o papel da tecnologia em suas vidas. Isso pode ser alcançado, por exemplo, através de discussões em sala de aula, fóruns, diários de aprendizagem e portfólios reflexivos.

Enfrentar o desafio de educar uma geração de estudantes já proficientes em tecnologia exige uma abordagem holística que combine habilidades técnicas com pensamento crítico, ética e reflexão. As IES têm a responsabilidade de garantir que esses alunos não apenas saibam como usar as tecnologias, mas também compreendam e questionem o mundo que essas tecnologias estão ajudando a moldar.

As reflexões da Prof.a Ana Valéria Sampaio de Almeida Reis ressaltam a importância de uma abordagem cuidadosa e crítica na integração da IA na educação superior. Para instituições como o ITESP, que formam teólogos e pensadores, essas considerações são fundamentais para garantir que a tecnologia seja utilizada de maneira ética e eficaz, contribuindo para uma formação acadêmica que não só acompanhe as inovações tecnológicas, mas também prepare os alunos para entender e moldar o futuro dessas inovações na sociedade.

Por: Arison Lopes, Comunicação Institucional ITESP.

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