As redes sociais e o desafio da identidade institucional: tendências digitais, reputação e o caso Studio Ghibli

Nos últimos anos, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm buscado ampliar sua presença digital, adotando tendências virais para aumentar o engajamento e estreitar a comunicação com novos públicos. No entanto, essa estratégia precisa ser cuidadosamente planejada para não comprometer a identidade institucional nem gerar impactos negativos na reputação acadêmica.
Em recente entrevista ao Instituto São Paulo de Estudos Superiores (ITESP), o Prof. Me. Diego Amaro de Almeida, Coordenador de Redes de Cooperação e Inovação do SEMESP, abordou os desafios e implicações desse movimento. Segundo ele, a adesão a trends sem uma análise prévia pode colocar em risco a coerência institucional e afastar a instituição de seu público-alvo. Ele ressalta que a inovação na comunicação não está em seguir todas as tendências, mas em saber adaptá-las de maneira estratégica, alinhada ao projeto educativo e aos valores acadêmicos.
O caso recente do Studio Ghibli e a OpenAI ilustra bem os dilemas da apropriação indevida de estilos artísticos e sua relação com o impacto institucional. Com a popularização do gerador de imagens do ChatGPT, usuários passaram a recriar cenas famosas e memes no traço característico do estúdio japonês, sem qualquer autorização. A iniciativa gerou um grande debate sobre direitos autorais e respeito à identidade artística, especialmente porque o fundador do Ghibli, Hayao Miyazaki, já havia se posicionado de forma crítica contra a inteligência artificial na arte, considerando-a um “insulto à própria vida”.
Acompanhe a entrevista com o Prof. Diego Amaro na íntegra:
ITESP: Prof. Diego, com o crescimento da presença digital, muitas instituições de ensino superior têm aderido às trends para aumentar o engajamento e atrair novos públicos. No entanto, essa estratégia pode ser um desafio, pois exige um equilíbrio entre manter a seriedade acadêmica e se conectar com uma audiência cada vez mais digital. Como as universidades podem avaliar quais tendências são apropriadas para sua imagem institucional?
Diego Amaro: Posso afirmar que vivemos hoje um cenário em que as instituições de ensino superior precisam urgentemente repensar suas formas de comunicar, sem deixar de ter atenção com sua missão educativa e sua identidade institucional.
Porém com a presença digital e a popularização das trends, especialmente nas redes sociais, é natural que surja a tentação para atrair atenção. Mas aqui reside o desafio: nem toda tendência dialoga com os valores, com o público-alvo ou com a reputação da instituição. Por isso, é preciso que esse movimento seja feito de forma estratégica e alinhada com o projeto institucional.
Como avaliar se uma trend é apropriada? Trago algumas reflexões práticas:
Coerência com a identidade institucional: A primeira pergunta é: isso reflete quem somos como instituição? Se a resposta for não, ou se houver dúvidas, vale o alerta. A autenticidade é percebida! E a audiência digital, especialmente os jovens, têm um faro apurado para o que soa forçado ou descolado da realidade da marca.
Consistência com o público que se quer atingir: É importante conhecer bem as personas da instituição. O que engaja um estudante de medicina pode não fazer sentido para um curso de filosofia. Segmentação de linguagem e estratégia é fundamental.
Potencial educativo da trend: Algumas tendências podem, sim, ser adaptadas com foco pedagógico, ético ou de impacto social. Universidades que conseguem ressignificar uma trend com conteúdo, transformando um meme em uma provocação acadêmica, por exemplo, tendem a se destacar sem banalizar sua imagem.
Governança e curadoria da comunicação: Criar comitês editoriais interdisciplinares, envolvendo docentes, estudantes e profissionais da comunicação, é uma prática recomendada. Isso favorece uma análise mais crítica e colaborativa sobre quais conteúdos devem ser postados.
Avaliação de impacto e percepção: Após aderir a uma trend, é importante medir o retorno e ouvir a comunidade interna e externa. Comentários, compartilhamentos e, principalmente, o tom das reações ajudam a entender se a ação foi bem recebida ou se houve ruído na comunicação.
Não podemos esquecer que a inovação na comunicação não está em seguir todas as tendências, mas em saber adaptar as linguagens contemporâneas ao serviço de uma educação relevante, humanista e conectada com o mundo. A universidade do século XXI precisa ser digital, mas não pode perder sua alma.
ITESP: Muitas tendências digitais geram grande alcance e interação, mas nem sempre resultam em matrículas, maior credibilidade ou impacto significativo na reputação da instituição. Além disso, algumas trends podem perder relevância rapidamente. Como as universidades podem medir o verdadeiro retorno de sua participação nesses movimentos online?
Diego Amaro: Essa é uma reflexão importante para as instituições de ensino superior que desejam ir além da lógica do engajamento superficial nas redes. Muitas trends digitais geram grande visibilidade e interação, mas isso nem sempre se traduz em matrículas, credibilidade institucional ou reputação sólida. O verdadeiro desafio está em medir o retorno dessas ações para além das chamadas “métricas de vaidade”. Para isso, é fundamental que cada movimento online esteja atrelado a objetivos estratégicos claros. A universidade quer reconhecimento de marca, captação de novos estudantes, fortalecimento da comunidade interna ou reposicionamento institucional? A partir disso, é possível construir indicadores (KPIs) que considerem resultados de curto, médio e longo prazo. No curto prazo, métricas como alcance, curtidas e comentários podem ser úteis para medir a atenção gerada. No médio prazo, devem-se observar indicadores como visitas qualificadas ao site, geração de leads e inscrições em vestibulares. Já no longo prazo, os dados mais relevantes envolvem o aumento nas matrículas, a permanência estudantil e a melhora na percepção da marca, esta última, inclusive, pode ser avaliada por meio de pesquisas com alunos, egressos e a comunidade externa.
Também é importante acompanhar a jornada do usuário digital com ferramentas como Google Analytics, CRM educacional e pixels de rastreamento, pois elas permitem identificar se o engajamento inicial gerou ações concretas, como o acesso à página de um curso ou o preenchimento de um formulário de inscrição. Algumas instituições mais maduras em sua estratégia digital já estão adotando dashboards integrados, cruzando dados do marketing com dados acadêmicos, para analisar o impacto das ações digitais inclusive na retenção dos estudantes captados por meio dessas campanhas. Além disso, ouvir a comunidade interna (estudantes, professores e colaboradores) é uma forma eficaz de entender se a ação fortaleceu a identidade institucional ou gerou ruídos de imagem. Em última instância, é preciso compreender que a presença digital deve ser um desdobramento do projeto educativo da instituição. Participar de uma trend só faz sentido se ela estiver alinhada com os valores, o propósito e a visão de futuro da universidade. O brilho de uma campanha viral pode ser efêmero, mas quando bem alinhada ao posicionamento institucional, pode se tornar um ponto de conexão poderoso com a sociedade.
A situação levanta um ponto crucial: até que ponto a apropriação de um estilo ou de uma tendência digital é ética e coerente? No caso das IES, a mesma reflexão se aplica. Como destaca o Prof. Diego Amaro de Almeida, não basta aderir a uma trend para gerar engajamento; é preciso avaliar se ela está em sintonia com os princípios e a missão da instituição.
O caso Studio Ghibli nos ensina que identidade, autenticidade e respeito são valores essenciais na comunicação digital. Para as Instituições de Ensino Superior, isso significa que a presença online deve ser uma extensão do seu projeto educativo, e não apenas uma busca por visibilidade efêmera. Afinal, a reputação acadêmica é construída com consistência, e não com viralizações passageiras.
Por: Arison Lopes, Comunicação ITESP.
Imagem: Reprodução Internet.